A Operação Padrão, deflagrada há quase 30 dias, de
acordo com a qual os PMs se apresentarão em seus respectivos batalhões,
todavia, recusando-se a utilizar equipamentos imprestáveis ao labor, vem sendo
motivo para perseguição de diversos policiais no âmbito da PMPE. A pressão
psicológica à qual vêm sendo submetidos os militares não tem limites. A última
cartada do Governo de Pernambuco foi determinar a remoção de alguns policiais,
dentre os quais aqueles que figuram estrategicamente à frente do movimento
reivindicatório ou mesmo que se esforçam por mantê-lo fortalecido.
A remoção, em relação aqueles que dão força à Operação Padrão,
reveste-se claramente de caráter punitivo, com o objetivo de desencorajar os
militares e enfraquecer o movimento, sendo, por isto, considerada arbitrária.
Uma das prejudicadas é a Cabo Michelle Adriane Siqueira, que foi
removida do BPGd para o 12º BPM. A militar possui um blog (www.blogmichellesiqueira.com.br),
um instrumento de grande utilidade para o policial pernambucano, contendo
notícias sobre concursos, legislação estadual, informações de utilidade
administrativa, que conta mais de 5 milhões de acessos, a quem parabenizamos
pela iniciativa de colaborar com uma categoria tão carente de informações e,
sobretudo, por sua coragem em expressar sua opinião e apoiar a luta de
policiais por melhores condições de trabalho, vez que coragem é um dos pilares
da Força deste país e que deveria ser motivo de elogio, e não de punição.
Estão entre os perseguidos,
também, Albérisson Carlos da
Silva e Nadelson Costa Leite, ambos Cabos, Presidente e Vice-Presidente,
respectivamente, da Associação Pernambucana dos Cabos e Soldados Policiais e
Bombeiros - ACS.
Passemos
à análise jurídica da temática:
Da análise do
Suplemento de Pessoal nº 025 de 30/12/2016, verifica-se a seguinte motivação:
1.2.1. Transferir por necessidade
do serviço em face da adequação, conveniência, administrativa e operacional,
bem como para atender a necessidade de afastar os Policiais Militares das OME’s
ou localidades em que sua permanência seja julgada incompatível ou
inconveniente, conforme Art. nº 23, V, do Decreto nº 7.510, de 18 de outubro de
1981, o efetivo abaixo relacionado das Unidades de Área, Especializadas e
Administrativas da PMPE:
Antes de mais
nada, imperioso indagar a razão pela qual a permanência dos policiais foi
considerada "incompatível ou inconveniente". Ante o silêncio da
motivação e do Decreto Estadual 7.510/81 sobre o que seria "incompatível
ou inconveniente" recorremos ao Dicionário Aurélio, o qual define tais
adjetivos da seguinte maneira:
Incompatível
- Que não
pode harmonizar-se; inconciliável, incombinável.
Inconveniente:
- 1. Não conveniente; falto de conveniência.
- 2. Indiscreto, inoportuno, impróprio.
- 3. Impróprio, inadequado.
- 4. Oposto ao decoro, à decência, ao uso da sociedade,
às conveniências; grosseiro, indecoroso.
- 5. Que não respeita o decoro, a decência, as
conveniências; incorreto, indecente: indivíduo inconveniente.
S. m.
6. Prejuízo, perigo, risco, desvantagem.
7. Obstáculo, incômodo, objeção, estorvo, transtorno,
embaraço.
E mais: a mudança
para OME distinta teria o condão, pois, de, por si só, cessar a permanência
"incompatível ou inconveniente"?
Podemos concluir,
pois, que as remoções/transferências deram-se em caráter flagrantemente
PUNITIVO, com a finalidade de afastar um comportamento considerado incompatível
ou inconveniente. E que comportamento desta natureza teriam praticado os ditos
militares? Com a mais absoluta certeza, ao menos aqueles que figuram
estrategicamente à frente do movimento reivindicatório ou mesmo que se esforçam
por mantê-lo fortalecido, por reivindicarem melhores condições de trabalho, o
que mostra-se um verdadeiro atentado aos direitos conferidos pela Constituição
Federal de 1988: dignidade da pessoa humana (1º, inc. III), construção de
uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inc. I), promoção do bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação (art. 3º, inc. IV), manifestação de pensamento (art.
5º, inc. IV), liberdade de crença religiosa ou de convicção filosófica ou
política (art. 5º, inc. VIII), honra e imagem (art. 5º, inc. X) e de associação
(art. 5º, inc. XVIII), dentre
outros.
Causa ainda maior perplexidade
que tenham militares envolvidos na Operação Padrão sido punidos sem observância
do dos princípios da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inc. LV, da
CF/88), em violação ao princípio da legalidade (art. 5º, inc. II, da CF/88).
Reza o art. 40 do
Decreto Estadual 7.510/81 - Regulamento de Movimentação de Oficiais e Praças da
Polícia Militar de Pernambuco, que o militar deverá de permanecer, no mínimo,
03 (três) ou 04 (quatro) anos em OPM, se oficial ou praça, respectivamente:
Da
Movimentação de Oficiais - Art. 40 O prazo mínimo de permanência em OPM, para fins de
movimentação, em princípio é de três anos.
Parágrafo único – Nas Guarnições Especiais, o prazo será
fixado pelo Comandante Geral da Polícia Militar.
Da
Movimentação de Praças - Art. 45 O prazo mínimo de permanência em OPM para fins de
movimentação é, em princípio, de quatro anos.
Parágrafo único – Nas Guarnições Especiais, o prazo será
regulado pelo Comandante Geral da Polícia Militar.
Da análise do BG
237/2016 (publicado em 27/12/2016), verifica-se a publicação da relação de
efetivo por 100 mil habitantes, estabelecendo o ranking entre as OME com base
nas informações disponíveis no sistema SAD/RH e ranking elaborado pelo NGR/SDS
com o número de Crimes Violentos Letais Intencionais – CVLI registrados nas
Áreas Integradas de Segurança - AIS nos últimos 06 (seis) meses. Confrontando
os dados ali expostos com a Portaria SDS 4.453 (publicada no BG 177/2015) e
Portaria SDS 2.415 (publicada no BG 140/2016), tem-se as permissões e vedações
de transferências entre OMEs. Não pode haver, por exemplo, transferência do 7º
BPM e do 17º BPM, eis que são consideradas entre as 6 piores posicionadas no
ranking. Do mesmo modo, há OMEs que não podem perder efetivo, como é o
caso do 4º BPM, em virtude de figurar entre as 6 primeiras no ranking das CVLIs
AIS:
Fazendo um feedback com o artigo intitulado "Do Direito
do PMPE a uma Remuneração Digna", temos que Pernambuco apresenta assustadores índices de crescimento
da violência:
É certo, também,
que a eventual transferência de OME cuja área de abrangência é mais violenta
para uma menos violenta não se mostra razoável.
Primeiramente, ainda em sede
administrativa, tem-se a figura do requerimento, eis que a Administração
Pública tem o condição de anular seus próprios atos. Ademais, estabelecem o
art. 40, §1º, e 51 da Lei Estadual 11.817/00 - Código Disciplinar dos Militares
do Estado de Pernambuco:
Art. 40. A anulação de pena consiste em tornar
sem efeito a publicação da mesma.
§ 1º Deve ser concedida a
anulação quando ficar comprovado ter ocorrido injustiça ou ilegalidade na sua
aplicação.
Art. 51. Os recursos
disciplinares são os seguintes:
I - Reconsideração de Ato;
II - Queixa;
III - Representação; e
IV - Revisão Disciplinar.
Atenção aos prazos contidos nos prazos
contidos no CAPÍTULO IV do referido Código Disciplinar.
E reza o art. 50 da Lei
6.783/74 - Estatuto da PMPE:
Art. 50. O policial militar
que se julgar prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou
disciplinar de superior hierárquico, poderá recorrer ou interpor pedido de
reconsideração, queixa ou representação, segundo legislação vigente na Corporação.
§ 1º O direito de recorrer na
esfera administrativa prescreverá:
a) em 15 (quinze) dias corridos,
a contar do recebimento da comunicação oficial, quanto a ato que decorra de
inclusão em quota compulsória ou de composição de Quadro de Acesso; (Redação
alterada pelo art.1º da Lei Complementar nº 92, de 29 de junho de 2007.)
b) em 120 (cento e vinte) dias
corridos, nos demais casos.
§ 2º O pedido de reconsideração,
a queixa e a representação não podem ser feitos coletivamente.
§ 3º O policial militar da ativa
que, nos casos cabíveis, se dirigir ao Poder Judiciário, deverá participar
antecipadamente, esta iniciativa à autoridade a qual estiver subordinado.
OBS: Frise-se a necessidade de participar à
autoridade a qual estiver subordinado a intenção de questionar, no âmbito
judicial, ato administrativo ou disciplinar de superior hierárquico.
Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de
ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede. É ato discricionário
da Administração Pública, podendo esta decidir sobre a conveniência e a
oportunidade de remoção do mesmo. Não deve ter dúvidas o candidato que presta
concurso público de que, em sendo aprovado, pode ser lotado e removido pela
Administração Pública, independente da sua anuência, em atendimento ao
interesse público.
Interesse público é o interesse da coletividade, do
grupo social como um todo. Entretanto, não existe preponderância de direitos.
Tanto, que DI PIETRO traça um importante paralelo sobre o PRINCÍPIO DA
SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO e os DIREITOS INDIVIDUAIS:
Em verdade, os que se opõem à aplicação do princípio da
supremacia do interesse público partem de uma errônea interpretação de seu
significado. Dão a ele uma generalização que jamais existiu, pois é evidente a
impossibilidade de, em qualquer situação de conflito entre o público e o
privado, fazer prevalecer o primeiro; se assim fosse, realmente não haveria
como garantir os direitos individuais.
Mas também não se pode esquecer
que não existe direito individual que possa ser exercido de forma ilimitada.
Praticamente todos os direitos previstos na Constituição sofrem limitações que
são impostas pelo ordenamento jurídico, precisamente para definir os seus
contornos e impedir que o seu exercício se faça em prejuízo dos direitos dos
demais cidadãos e da coletividade.
(DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, 27ª ed., São
Paulo: Atlas, 2014, págs. 36/37).
Os atos administrativos estão
divididos em ATOS VINCULADOS e ATOS DISCRICIONÁRIOS, assim conceituados por
FERNANDA MARINELA:
- Os atos vinculados ou regrados são aqueles em que a Administração age nos estritos
limites da lei, simplesmente porque a lei não lhe deixou opções. Ela estabelece
os requisitos para a prática do ato, sem dar ao administrador liberdade de
optar por outra forma de agir.
- Atos discricionários são aqueles em que a lei prevê mais de um
comportamento possível a ser adotado pelo administrador em um caso concreto.
Portanto, há margem de liberdade para que ele possa atuar com base em um juízo
de conveniência e oportunidade, porém, sempre dentro dos limites da lei.
(MARINELA, Fernanda. Direito
Administrativo, 10ª ed, São Paulo: Saraiva, 2016, págs. 382/383).
A doutrina mais recente elenca,
como ATRIBUTOS
DO ATO ADMINISTRATIVO, de acordo com ALEXANDRE MAZZA
- presunção de legitimidade: até prova em contrário, o
ato administrativo é considerado válido para o Direito;
- imperatividade: o ato administrativo pode criar
unilateralmente obrigações aos particulares, independentemente da anuência
destes;
- exigibilidade: a Administração pode aplicar punições
aos particulares por violação da ordem jurídica, sem necessidade de ordem
judicial;
- Autoexecutoriedade: a Administração Pública pode
realizar a execução material dos atos administrativos ou de dispositivos
legais, usando a força física se preciso for para desconstituir situação
violadora da ordem jurídica;
- tipicidade: necessidade de respeitar-se a finalidade
específica definida na lei para cada espécie de ato administrativo, trata-se,
portanto, de uma derivação do princípio da legalidade;
(MAZZA, Alexandre, Manual de
Direito Administrativo, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, págs 251/256).
Vê-se, pois, que a TIPICIDADE é
um atributo do ato administrativo que sujeita-o à finalidade, ou seja, Para
cada finalidade que a Administração pretende alcançar existe um ato definido em
lei. Sendo a remoção um ato administrativo voltado ao interesse público, o
desvio de finalidade afeta o atributo tipicidade, consequentemente afrontando a
legalidade.
Os ELEMENTOS (ou REQUISITOS) DO ATO ADMINISTRATIVO, nas
palavras de DIRLEY DA CUNHA JR, são:
- sujeito competente: O ato administrativo, para
constituir-se validamente, deve ser editado por um agente público competente.
- forma: Forma é o revestimento do ato administrativo. É
o modo de existir do ato administrativo, de como ele se manifesta externamente.
Pela forma se corporifica o ato. Forma não se confunde com a formalização do
ato, que é uma solenidade especial exigida para a edição de certos atos
administrativos, com a sua forma ordinária e regular.
- objeto: Objeto é aquilo sobre o que o ato dispõe. Não
pode haver ato sem que exista algo a que ele esteja reportado. Sem objeto
lícito ou material e juridicamente possível não pode surgir ato jurídico algum,
seja ele administrativo ou de qualquer outra tipologia.
- motivo: Motivo é a razão ou circunstância de fato ou
de direito que autoriza ou determina a prática do ato administrativo. Cuida-se
de situação do mundo real geradora da atuação administrativa. A interdição de
uma fábrica poluente, por exemplo, tem como motivo na poluição" (situação
real); o embargo administrativo de uma construção irregular, tem como motivo na
construção irregular" (situação real). O motivo pode estar previsto na lei
ou não. Outrossim, motivo não se confunde com motivação. O motivo é um fato, um
dado real e objetivo que autoriza ou impõe a pratica do ato. A motivação, que é
princípio constitucional da Administração Pública, corresponde à exposição do
motivo, à sua enunciação, revelação, antecedendo a própria deliberação do ato
sob a forma de considerados. É nulo o ato administrativo sem motivo. Quanto à
motivação, por ser exigência constitucional, deve-se considerá-la como regra.
Mas, se ainda assim, a Administração Pública resolver enunciar o motivo, a
existência deste vincula o ato, haja vista a teoria dos motivos determinantes.
- finalidade:
Finalidade é o resultado ou o bem jurídico que a Administração Pública quer
alcançar com a prática do ato. Vale dizer, é o resultado prático e final a que
deve atingir o objeto do ato. Em razão do princípio constitucional da
finalidade pública, toda atividade desenvolvida pela Administração Pública deve
guiar-se para o atendimento de um único resultado ou bem jurídico, qual seja, o
fim público, que nada mais é senão servir ao interesse da coletividade. Ademais
disso, impõe-se que cada ato administrativo destine-se a um fim público
específico, posto que está sempre preordenado a atingir uma dada finalidade
pública. Se o fim visado não for aquele previsto para o ato editado haverá o
desvio específico de finalidade expondo o ato à invalidação. O desvio de finalidade
se verifica quando o agente pratica o ato pretendendo fim diverso daquele
previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência. A finalidade é
elemento sempre vinculado. A finalidade não se confunde com o objeto, em que
pese ambos os elementos referirem-se ao resultado do ato administrativo. Com
efeito, a finalidade é o efeito jurídico mediato do ato, que é sempre o
interesse público, resultado invariável de todo e qualquer ato administrativo.
Já o objeto é o efeito jurídico imediato que o ato produz, e que consiste em um
resultado variável conforme o bem jurídico desejado (aquisição, transformação
ou extinção do direito). Não se confunde também com o motivo do ato, que é a
razão de fato ou de direito que enseja a sua prática e antecede ao próprio ato. Assim, no ato de remoção, de ofício, de servidor
público, por necessidade de serviço, temos o motivo, que é a necessidade de
serviço (ou seja, a razão que determinou a prática do ato); o objeto, que é a
própria remoção do servidor (aquilo que o ato dispõe ou determina, isto é, o
seu resultado imediato) e a finalidade, que é a melhoria da prestação do
serviço para bem atender ao interesse público (que é o resultado mediato do ato
em comento). Já no ato de embargo administrativo de obra irregular, temos o
motivo, que é a irregularidade da obra; o objeto, que é o próprio embargo da
obra e a finalidade, que é a segurança dos administrados contra os riscos de
desabamento da obra. A finalidade, por vir expressada em lei, é também um
elemento sempre vinculado de todo ato administrativo.
(CUNHA JR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo, 14ª ed, Salvador:
Jus Podivm, 2015, págs. 110/114).
Há ABUSO ou DESVIO DE
PODER ou, especificamente, DESVIO DE FINALIDADE, pois, quando o agente público
contraria o interesse público ou, em nome deste, busca finalidade diversa.
FERNANDA MARINELA cita o exato caso do agente público
que remove servidor público com o objetivo de aplicar-lhe uma penalidade,
agindo, assim, em desvio de finalidade:
O desvio de finalidade representa um mau uso da
competência que o agente possui para praticar atos administrativos, na busca de
uma finalidade que não pode ser buscada ou, quando pode, não for possível por
entremeio do ato utilizado. Pode manifestar-se de dois modos:
a) quando o agente busca uma finalidade, contrariando o interesse
público, como, por exemplo, quando ele usa seus poderes para prejudicar um
inimigo, ou para beneficiar a si próprio, um amigo ou parente.
b) quando o agente busca uma finalidade, ainda que de interesse público,
alheia à categoria do ato que utilizou, este será inválido por divergir da
orientação legal. Ex.: o
administrador que remove um servidor público com o objetivo de aplicar-lhe uma
penalidade, todavia, esse ato de remoção, de acordo com a previsão legal, serve
para acomodação das necessidades do serviço e não está na lista das possíveis
penalidades aplicáveis por infrações funcionais.
Esse vício não acontece somente nos atos administrativos; ele também
poderá macular atos legislativos ou jurisdicionais.
(MARINELA, ob. cit. pág. 352).
Sendo assim, não é possível
utilizar-se de um dado ato para proteção de um bem ou realizar um determinado
propósito que, segundo a lei, deve ser obtido com a prática de outro ato. Por
exemplo, não é
possível remover um servidor com a finalidade de puni-lo, ainda que se trate de
autoridade competente para praticar tanto a remoção, quanto a punição. O vício
decorre do descumprimento da finalidade específica da remoção, que não é punir,
mas, sim, acomodar deficiências e necessidades do serviço público. O
administrador está fazendo uso de um ato para alcançar finalidade diversa da
que lhe é própria, o que também caracteriza o desvio de finalidade e a ilegalidade
do ato.
(MARINELA, ob. cit. pág. 405). DI PIETRO explica sobre o desvio de
finalidade:
O agente desvia-se ou afasta-se da finalidade que
deveria atingir para alcançar resultado diverso, não amparado pela lei.
Conforme palavras de Cretella Júnior (1977: 184), "base para a
anulação dos atos administrativos que nele incidem, o desvio de poder difere
dos outros casos, porque não se trata aqui de apreciar objetivamente a conformidade
ou não conformidade de um ato com uma regra de direito, mas de proceder-se a
uma dupla investigação de intenções subjetivas: é preciso indagar se os móveis
que inspiram o autor de um ato administrativo são aqueles que, segundo a
intenção do legislador, deveriam realmente, inspirá-lo".
Exemplos: a desapropriação feita para prejudicar determinada pessoa
caracteriza desvio de poder porque o ato não foi praticado para atender a um
interesse público; a remoção
ex officio do funcionário, permitida para atender à necessidade do serviço,
constituirá desvio de poder se for feita com o objetivo de punir.
(DI PIETRO, ob. cit. págs. 254/255).
E rechaça DI PIETRO a remoção de
servidor a título de punição:
É o legislador que define a finalidade que o ato deve
alcançar, não havendo liberdade de opção para a autoridade administrativa; se a
lei coloca a demissão entre os atos punitivos, não pode ela ser utilizada com
outra finalidade que não a de punição; se a lei permite a remoção ex officio do funcionário
para atender a necessidade do serviço público, não pode ser utilizada para
finalidade diversa, corno a de punição.
Seja infringida a finalidade legal do ato (em sentido estrito), seja
desatendido o seu fim de interesse público (sentido amplo), o ato será ilegal,
por desvio de poder. Tanto
ocorre esse vício quando a Administração remove o funcionário a título de
punição, corno no caso em que ela desapropria um imóvel para perseguir o seu
proprietário, inimigo político. No primeiro caso, o ato foi praticado com
finalidade diversa da prevista na lei; no segundo, fugiu ao interesse público e
foi praticado para atender ao fim de interesse particular da autoridade.
(DI PIETRO, ob. cit. pág. 219).
No segundo sentido, a finalidade é sempre vinculada; para cada ato
administrativo previsto na lei, há uma finalidade específica que não pode ser
contrariada.
Por exemplo: a finalidade do ato de demissão é sempre a de punir o
infrator, de modo que se for praticado, por exemplo, para atender à
conveniência do serviço será ilegal; a remoção ex officio do funcionário só pode dar-se
para atender à conveniência do serviço, de modo que, se for feita para punir,
será ilegal.
(DI PIETRO, ob. cit. pág. 405).
DIRLEY DA CUNHA cita a remoção de
servidor a título de punição como desvio de finalidade:
Assim, há desvio genérico de finalidade quando um prefeito
remove um servidor público para satisfazer sentimento de vingança. Nessa
hipótese, o objetivo é atender a um interesse pessoal. E há desvio específico
de finalidade quando um prefeito remove um servidor público como modo de
aplicar uma merecida sanção disciplinar por infração administrativa. Já nesse
caso, ao invés de atender o fim público específico previsto em lei para o ato
de remoção (satisfazer certa necessidade do serviço), visa-se atender também um
fim público, mas previsto na lei especificamente para outro ato (punição disciplinar).
Vale dizer, no desvio específico há uma inversão de finalidades: ao invés de o
ato X atender a sua finalidade X, ele se propõe a atender a finalidade Y,
prevista legalmente para o ato Y.
(CUNHA JR, ob. cit., pág. 46).
JOÃO TRINDADE, de igual modo,
exemplifica a remoção para punição de servidor como desvio de finalidade, esta
forma de abuso de poder:
O desvio da finalidade é também uma forma de abuso de
poder. Ocorrerá quando o agente pratica ato visando ao interesse pessoal ou não
atendendo ao fim determinado pela lei. Nessa forma de abuso de poder, o
requisito da finalidade é que será afetado pela ilegalidade, ao contrário do
que acontece no excesso de poder, em que o requisito da competência é que
padecerá de vício. Exemplo clássico é a remoção para punir servidor, uma
vez que a Lei nº 8.112/90 criou o instituto com a finalidade de deslocar
servidor, sem fim punitivo.
(SCATOLINO, G.; TRINDADE, J. Manual de Direito Administrativo, 4ª ed,
Salvador: Jus Podivm, 2016, pág. 256).
MARCELO ALEXANDRINO não foge ao
pacífico entendimento sobre a impossibilidade de remoção de servidor a título
de punição:
Por exemplo, o ato de remoção tem a finalidade
especifica de adequar o número de servidores lotados nas diversas unidades
administrativas de um órgão ou entidade às necessidades de mão de obra de cada
unidade, conforme a disponibilidade total de servidores no órgão ou entidade. Se um ato de
remoção é praticado com a finalidade de punir um servidor, que tenha cometido
uma irregularidade, ou que trabalhe de forma insatisfatória, o ato será nulo,
por desvio de finalidade, mesmo que existisse efetiva necessidade de pessoal no
local para onde o servidor foi removido.
(ALEXANDRINO, M. PAULO, V.
Direito Administrativo Descomplicado, 23ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2015,
pág. 215).
Não há dúvidas, pois, que a
remoção em caráter punitivo configura abuso de poder.
Não obstante todo o exposto, é de recordar-se que a
Administração Pública sujeita-se aos princípios da RAZOABILIDADE, da
PROPORCIONALIDADE e da EQUIDADE, todos implícitos na Constituição Federal de
1988 que, entretanto, possuem seu arcabouço no PRINCÍPIO DA LEGALIDADE,
constante dos arts. 5º, inc. inc. II e 37, caput, da CF/88.
Celso Antonio Bandeira de Mello conceitua o
princípio da razoabilidade:
Enuncia-se com este
princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de
obedecer a critérios aceitáveis no ponto de vista racional, em sintonia com o
senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que
presidiram a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar
em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e,
portanto, jurisdicionalmente invalidáveis –, as condutas desarrazoadas,
bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e
circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de
prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva
da discrição manejada.
(MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de
Direito Administrativo, 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 2001, pág. 79).
PLÁCIDO SILVA ensina sobre o princípio da
equidade:
A eqüidade compõe o
conceito de uma justiça fundada na igualdade, na conformidade do próprio
princípio jurídico e em respeito aos direitos alheios. (...) Pelo princípio da
eqüidade, mais deve ser atendida a razão, que a impõe, vista pela boa-fé, do
que a própria regra do direito. Sendo assim, a eqüidade é a que se funda na
circunstância especial de cada caso concreto, concernente ao que for justo e
razoável. E, certamente, quando a lei se mostrar injusta, o que se poderá
admitir, a eqüidade virá corrigir seu rigor, aplicando o princípio que nos vem
do Direito Natural, em face da verdade sabida ou da razão absoluta.”
(SILVA, Plácido e. Vocabulário Jurídico.
Volume II. Forense: Rio de Janeiro, 1.973, p. 609).
Versando acerca das
VIOLAÇÕES AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, o ilustre CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE
MELO aduz:
Violar um princípio é
muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio
implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o
sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade... representa insurgência contra todo o sistema,
subversão de valores fundamentais...
(PINHO, Rodrigo César Rebello, Teoria Geral da
Constituição e direitos fundamentais, volume 17. São Paulo : Saraiva, 2000, p.
53).
A Constituição Federal de 1988
determina a necessidade de motivação de atos administrativos dos Tribunais
(art. 93, X, da CF/88) e do Ministério Público (129, § 4º, da CF/88). A Lei
9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração
Pública Federal, em seu art. 50, estabelece que os atos administrativos deverão
ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, elencando
nos incisos seguintes as situações de necessária motivação.
A Constituição do Estado de Pernambuco silencia quanto à
motivação do ato administrativo.
A despeito de tais considerações, a motivação é
princípio implícito, condição obrigatória consagrada pela doutrina e pela
jurisprudência, inclusive no âmbito do Tribunal de Justiça de Pernambuco,
pacificado o entendimento pela Súmula 95:
SÚMULA 95 - TJPE - 02/10/2009:
A falta de motivação nulifica o ato administrativo de transferência de
servidor público.
No nosso modesto entendimento, a
motivação do ato de remoção ora discutido não satisfaz tal requisito.
TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES
O administrador pode praticar o ato administrativo, sem
declarar o motivo, nas hipóteses em que este não for exigido, como na já citada
exoneração ad nutum. Entretanto, se ainda assim decidir declará-lo, o
administrador fica vinculado às razões de fato e de direito que o levaram à
prática do ato. Por exemplo, se um determinado administrador decide exonerar um
servidor ocupante de cargo em comissão, alegando como motivo a necessidade de
redução de despesas com folha de pagamento, cumprindo regra para racionalização
da máquina administrativa, prevista no art. 169 da CF, ele não poderá nomear
outra pessoa para o mesmo cargo, em decorrência da teoria dos motivos
determinantes, que exige a veracidade e o cumprimento do motivo alegado.
Da mesma forma, ocorrerá violação
a essa teoria e a consequente invalidação do ato, quando o motivo for falso.
Imagine que um determinado governador de um Estado tem uma filha que está
namorando um rapaz que não é de seu agrado. Sabendo que esse indivíduo é um
servidor público estadual, decide removê-lo para uma cidade bem distante,
alegando necessidades do serviço, quando, na verdade, o administrador deseja
prejudicar o relacionamento. Nesse caso, o ato fica viciado em virtude de o
motivo ser incompatível com a lei, havendo inexistência material e jurídica dos
motivos.
(MARINELA, ob. cit., pág. 402).
A doutrina explica a motivação
deve ser prévia, simultânea ou até mesmo no instante seguinte à prática do ato
administrativo. E em relação à convalidação, compreende ser impassível de
convalidação o ato impugnado administrativa ou judicialmente.
Serão objeto de artigos próprios:
- matrícula de militar removido ex officio e no interesse da
Administração Pública em estabelecimento de ensino superior público, ainda que
originariamente tenha ingressado em faculdade particular;
- remoção de servidor para
acompanhar cônjuge ou companheiro aprovado em concurso público, cujo cargo
encontra-seem localidade diversa daquela em que residia a família.
A jurisprudência pontifica:
Como
sabido, os servidores públicos não gozam da garantia da inamovibilidade, pelo
que pode a Administração Pública removê-los ex officio, visando ao interesse da
boa e eficiente prestação de seus serviços. 2. No caso da Polícia Militar de
Pernambuco, corporação com dezenas de milhares de servidores, os constantes
atos de movimentação de pessoal decorrem da necessidade de atendimento aos
imperativos de segurança pública. 3. Assim, em linha de princípio, a motivação
dos atos de remoção ex officio de policial militar -
atendimento ao interesse público - exsurge implícita no próprio ato. 4. Desse
modo, a presunção de legitimidade imanente ao ato de remoção, para ser
afastada, exige a produção de prova inequívoca de abuso de poder
ou desvio de finalidade, mister do qual não se desincumbiu o
impetrante nesta estreita via mandamental.
(TJ/PE - MS 3846102 - Grupo de Câmaras de Direito Público - Rel. Des.
Jorge Américo Pereira de Lira - DJ: 12/11/2015).
Conforme se observa do documento
de fls. 14/15, o impetrante foi removido, por necessidade do serviço, do
Batalhão de Polícia Rodoviária - BPRv para o Batalhão de Polícia de Guardas.
Ocorre que, a mera declaração de que o ato de remoção se deu "por
necessidade do serviço" não satisfaz a exigência de motivação dos atos
administrativos. Com efeito, não se extrai do aludido ato de remoção
(Suplemento Geral nº H.4.6.0.0.0.009) qualquer exposição de fatos e motivos que
justifiquem o interesse da Administração em deslocar o referido policial
militar. Destaco depor a fazer do impetrante o fato de que, no mesmo ato que o
transferiu do Batalhão de Polícia Rodoviária - BPRv, foi formalizada a
transferência de 02 (dois) policiais militares, sob a mesma justificativa de
necessidade de serviço, para aquela OME, atento ao fato de que todos os
envolvidos possuem o mesmo Posto/Graduação (cf. fls. 14/15). Não desconheço que
na remoção ex officio, hipótese que se coaduna aos autos, é o próprio interesse
público que exige a movimentação do servidor, bem como que o policial militar
não goza da garantia da inamovibilidade. Também é cediço que a
transferência/remoção do servidor decorre do exercício do poder discricionário
da Administração Pública, efetivando, no âmbito do Estado de Pernambuco, na
forma do disposto no Decreto nº 36.849/2011. Contudo, para que não haja desvio
de finalidade, vem se exigindo que o ato de remoção seja devidamente
fundamentado e que os motivos apontados sejam, de fato, justificadores da
medida adotada. Nesta toada, o servidor tem direito a permanecer vinculado à
atividade exercida, podendo ser removido a bem do serviço público desde que o
ato de transferência esteja munido de justificativa que atenda ao interesse
público, vez que sob a rubrica de "necessidade de serviço" não podem
sem praticados atos infundados. Assim, a conveniência e oportunidade da
Administração em movimentar o servidor ex officio devem ser justificadas, de
modo a atender aos princípios da publicidade, moralidade e impessoalidade. É
que, tratando-se, a motivação, da exteriorização dos motivos ensejadores da
prática do ato, é por meio dela que se permite a verificação, a qualquer tempo,
da observância ao princípio da legalidade, que vem a ser pautado pela submissão
ao interesse público. Sobre o tema, salutar a lição da jurista Maria Sylvia
Zanella di Pietro, que ensina: "A motivação é, em regra, necessária, seja
para os atos vinculados, seja para os atos discricionários, pois constitui
garantia de legalidade, que tanto diz respeito ao interessado como à própria
Administração Pública; a motivação é que permite a verificação, a qualquer
momento, da legalidade do ato, até mesmo pelos demais Poderes do Estado".
(TJ/PE - AGR 3846068 - Grupo de Câmaras de Direito Público - Rel. Des.
Antenor Cardoso Soares Junior - DJ: 15/07/2015).
Também é cediço que a
transferência/remoção do servidor decorre do exercício do poder discricionário
da Administração Pública, efetivando, no âmbito do Estado de Pernambuco, na
forma do disposto no Decreto nº 36.849/2011. Contudo, para que não haja desvio
de finalidade, vem se exigindo que o ato de remoção seja devidamente
fundamentado e que os motivos apontados sejam, de fato, justificadores da
medida adotada. Nesta toada, o servidor tem direito a permanecer vinculado à
atividade exercida, podendo ser removido a bem do serviço público desde que o
ato de transferência esteja munido de justificativa que atenda ao interesse
público, vez que sob a rubrica de"necessidade de serviço"não podem
sem praticados atos infundados. Assim, a conveniência e oportunidade da
Administração em movimentar o servidor ex officio devem ser justificadas, de
modo a atender aos princípios da publicidade, moralidade e
impessoalidade".
(TJ/PE - ED 3845998 - Grupo de Câmaras de Direito Público - Rel. Des.
Antenor Cardoso Soares Junior - DJ: 09/03/2016).
Trata-se de MANDADO DE SEGURANÇA,
com pedido de medida liminar, impetrado por KLEITON PEREIRA DOS SANTOS,
qualificado e representado nos autos, em face de ato que determinou a
transferência do Impetrante, lotado no BPCOM - Batalhão de Polícia Comunitária
de Teresina-PI para outro Batalhão do Interior do Estado do Piauí (fls. 02/29).
Constata-se, em consonância com Ministério Público Superior, que o ato
que determinou a remoção do Impetrante, Ofícionº 022/2012-CGO/PMPI, mostra-se
desprovido de movitação, o que consequentemente impõe o reconhecimento da
nulidade do ato impugnado, conforme precedentes do Superior Tribunal de
Justiça.
(TJ/PI - MS 201300010022415 - Pleno - Re. Des. Eulália Maria Pinheiro -
DJ: 09/07/2015).
Do: Blog
Agreste Notícia
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