Durante visita ao sertão da Paraíba, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) protagonizou um discurso carregado de simbolismo religioso, apelo emocional e, sobretudo, forte tom político. Ao entregar mais uma etapa das obras de transposição do Rio São Francisco — uma das principais vitrines de seus mandatos — Lula afirmou que “Deus deixou o sertão sem água porque sabia que eu ia ser presidente da República e que eu ia trazer água para cá”.
A fala, feita em Cachoeira dos Índios, durante cerimônia de entrega de obra do novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), foi recebida com entusiasmo por apoiadores, mas também com críticas por soar messiânica, populista e, principalmente, eleitoreira. Em pleno segundo ano de mandato, Lula parece já preparar o terreno para 2026 — eleição à qual ainda não confirmou sua candidatura, mas para a qual é o nome mais forte do PT.
A frase que atribui a seca do sertão a um desígnio divino em antecipação à sua chegada ao poder levanta questionamentos. Teria Deus, de fato, condenado o Nordeste à seca à espera de um salvador? A declaração, embora carregada de emoção e memória pessoal — Lula relembrou sua infância pobre e o sofrimento com a escassez d’água —, escorrega ao sugerir um protagonismo quase divino em um problema secular que exigiu esforço coletivo, planejamento técnico e mobilização de recursos públicos por décadas.
Além da retórica personalista, o discurso também foi recheado de ataques ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a quem Lula se referiu como "qualquer tranqueira", acusando-o de governar com base em mentiras e fake news.
“Esse país não pode mais sofrer o retrocesso que nós sofremos nos últimos seis anos”, declarou, em clara tentativa de demarcar diferenças e reacender a polarização política que tem marcado as últimas eleições no Brasil.
A retomada do tom de campanha, tão cedo no mandato, levanta preocupações sobre a real prioridade do governo: entregar resultados concretos ou antecipar disputas eleitorais? A transposição do São Francisco, obra iniciada ainda nos governos petistas e considerada a maior intervenção hídrica da América Latina, é, sem dúvida, um feito. Mas também é uma conquista que transcende um único nome, e cujo custo e impacto envolvem décadas de debate e múltiplos governos.
Ao transformar uma entrega pública em palanque político e invocar até mesmo o plano divino como narrativa, Lula reafirma sua habilidade retórica e seu carisma popular — mas também reacende críticas sobre o uso político das obras públicas, o culto à personalidade e a falta de moderação institucional.
O sertão, antes de ser palco de milagres, precisa de continuidade, planejamento técnico e políticas públicas duradouras. E o Brasil, antes de cair no personalismo de “salvadores da pátria”, precisa de lideranças que respeitem mais os fatos do que as metáforas.
Do: Blog Agreste Notícia
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