Infelizmente
o Brasil voa cegamente. Assistimos no século XX, desde os anos 80, um partido,
o dos Trabalhadores se intitular de partido de esquerda, conectado aos
interesses das massas de excluídos, minorias, sindicalistas, trabalhadores
urbanos e camponeses. Não obstante, no século XXI, paulatinamente, assistimos
esse título se desfazer e desvelar vícios permanentes do processo civilizatório
brasileiro. O nepotismo - relações de compadrio com grandes grupos econômicos,
corrupção de todas as ordens, caixa dois, não são invenções do PT, mas ele se
tornar participante dessas práticas deixaram atônitos petistas e não petistas,
mantiveram as continuidades históricas de um passado patriarcal acostumado a
combater pela via do poder e não da política. Essas ações, presentes na maioria
dos partidos políticos brasileiros, desde o período colonial, não justificam as
ações do PT.
O Brasil comandado por uma oligarquia até
1930, incorporou o poder arbitrário e pessoal dos senhores em suas práticas
políticas. Não construiu facilmente uma sociedade de classes que promovesse a
inclusão dos menos privilegiados e que se comprometesse com a coisa pública. As
ações de grandes grupos econômicos, políticas tradicionais e de alianças são
elementos da crise crescente que assola o país. Os mandatos petistas sem dívida
assustaram setores das classes médias diante dos pequenos e parcos avanços dos
menos favorecidos. O discurso do assistencialismo tomou corpo nesses grupos e
apagou as características inclusivas. Bolsas, cotas não foram compreendidas,
explicadas e criaram indignação em grupos sociais construídos sob o olhar das
elites. Outros, os grupos sociais mais à esquerda se sentiram ultrajados diante
do afastamento do Partido dos Trabalhadores das massas populares, da militância
e da bandeira ética. Medidas para a aquisição e permanência do poder, como
alianças e acordos, desgastaram a imagem de partido diferente. Os nove meses,
do segundo mandato, da ex-presidente Dilma Rousseff afastaram o partido dos
movimentos, diluíram lastros e seu basismo. O PT e o então governo apresentaram
para a população suas contradições e indefinições pragmáticas. Seu sindicalismo
e sua estrutura burocrática. Certamente a ex-presidente Dilma não fez nada
sozinha. Seu governo a cada dia assustou os setores econômicos médios e altos
da sociedade. Assistimos grupos de dirigentes desenvolverem interesses
próprios, diferenciados daqueles da massa e dos militantes. Discussões com as
bases nos Diretórios Zonais característica do partido viraram pro formes, o
timing das discussões e negociações políticas se concentraram nas mãos dos
possuidores de mandato, dos dirigentes. Tudo passou a ser decidido em
gabinetes, de cima para baixo, da mesma forma que os outros partidos. Movimentos
populares perderam suas vozes, foram manipulados por esses mandatos e muitos se
tornaram atrelados através da sua profissionalização. Se tornaram importantes
em momentos de campanha e eleições – significam votos em urnas. As forças
políticas e a base social do PT perderam direcionamento e levaram o partido ao
esfacelamento com velocidade compatível ao mundo hipermoderno. O personalismo
presente na cultura política mostra sua permanência nas ações de deputados,
prefeitos e vereadores petistas quando buscam novas legendas. Alguns procuram
desesperadamente manter-se no poder, até em partidos de direita.
O PT se tornou não só semelhante aos partidos
tradicionais que ele mesmo criticava, se tornou igual. Nasceu de um projeto
indefinido de socialismo e tem deixado em aberto contradições profundas da
sociedade. Afastou-se da “alma do Sion”, (local da fundação do partido –
Colégio Sion - 1980) da sua proposta de criação, como definiu André Singer.
Acredito que iniciou a caminhada para a sua derrocada quando do anúncio do
resultado do primeiro turno das eleições de 1989 – disputa entre Lula e
Fernando Collor, quando se aliou a um marketing eleitoral competente e à
realização de alianças indiscriminadas com setores conservadores. Desqualificou
em poucos anos o trabalho de mobilização de diversos grupos sociais que
apoiaram o partido desde sua fundação para privilegiar seu tempo na mídia.
Abandonou a ideia de campanha eleitoral como educadora e abraçou a campanha
estratégica. Daí para frente paulatinamente Maluf, Sarney, Michel Temer entre
outros sentaram juntos com o partido e dividiram o poder. Duda Mendonça assumiu
e utilizou magnificamente o imaginário social de pais grandioso, celeiro do
mundo e o “verdeamarelismo” utilizado pelas classes dominantes nos anos 30, 50
e 70. Transformou a imagem do candidato Lula e fez associações com a imagem de
Getúlio Vargas. O mito do herói do salvador da Pátria foi reforçado. O pai, o
“protetor dos pobres” se encaixou as necessidades e anseios da população. O
governo Lula estabeleceu acordos com o capital com a elite política e ao mesmo
tempo com setores dos movimentos sociais. Dualismo oportuno em nome da
governabilidade. O resultado dessa política foi a crescente fragilidade
política que estamos assistindo. Amarrado pelos acordos e alianças não
conseguiu desmantelar a prática de privilégios dentro e fora do partido, pelo
contrário. O governo Dilma mostrou despreparado e carente de soluções com
relação à essas práticas, ao crescente desemprego, redução do poder de compra
dos salários e situação de desinvestimentos em pleno movimento. Assim, o quadro desvela uma crise, que não é
só política, econômica, moral e ética, mas que significa a derrota das forças
progressistas no Brasil após o golpe de 1964. E sem dúvida nenhuma parcela
considerável da responsabilidade desse retrocesso é decorrente das práticas
históricas de obtenção e manutenção de poder assumido pelos dirigentes do
partido.
Saliento mais uma vez, o Partido dos
Trabalhadores – PT semelhou-se aos outros, tornou-se igual e a consequência é a
formação de uma “esquerda” órfã. Essa crise retrocedeu os avanços do país, no
tocante às relações e práticas políticas em 30 anos. Necessitamos criar novos
instrumentos de pensar e fazer política, novas alternativas, novos caminhos.
Por: Rosana
Schwartz/Historiadora e socióloga. Professora do Centro de Comunicação e Letras
da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Do:
Blog Agreste Notícia
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